Norteando a corrida de aventura



Considerando os dias de hoje, cheios de conforto e conveniências, mordomias e tecnologia porque temos vontade de nos desafiar? De explorar o que podemos assistir na televisão e levar o corpo a situações limites? Ficar dias praticamente sem dormir e tentando solucionar problemas atrás de problemas que vão surgindo ao longo do percurso?

            A corrida de aventura nada mais é do que o resumo da vida contemporânea. Desafiamos o próprio corpo no dia a dia, temos problemas a resolver, nos relacionamos com pessoas diferentes o tempo todo e estamos numa constante disputa. Buscamos a excelência no que fazemos, mas nem sempre chegamos até lá e nesse trajeto aprendemos lições muito valiosas.

            Nesse post vou falar sobre o surgimento das corridas de aventura modernas no mundo, mas na verdade, o espírito aventureiro do homem vem de centenas de anos, como todos nós algum dia estudamos na escola. O homem tem em suas raízes grandes expedições. A vida no passado era uma disputa pelo descobrimento, pela posse de terras, por conquistas e pela vida. Desbravamos mares, comemos somente o que a terra nos oferecia, passamos frio e as vezes muito calor, tudo isso em pleno contato com a natureza e com o desconhecido, tudo muito semelhante com a corrida de aventura.

            Hoje nos organizamos em equipes mistas de quatro pessoas, ou seja, compostas por no mínimo uma pessoa do sexo oposto, pedalamos, corremos, andamos, remamos e usamos cordas para transpor grandes paredes e vãos, além de muitas outras atividades como natação, cavalgada, rafting e espeleologia. Tudo isso por 5 ou 6 dias praticamente sem comunicação e usando apenas um mapa e uma bússola para se deslocar. E porque? Simplesmente para estar em contato direto com a natureza, fazendo um esporte totalmente relacionado com a sustentabilidade e preservação ambiental, para aprender a lidar com questões emocionais que enfrentamos no dia a dia, estar física e mentalmente comprometido a todo momento, conhecer lugares novos onde poucos tiveram acesso, extrapolar os próprios limites e ter muita história pra contar!

            A história do surgimento das corridas de aventura como conhecemos hoje teve início em 1980, apenas dois anos após a invenção do Ironman havaiano. Rob Judkins criou na Nova Zelândia o Alpine Ironman, ou Ironman Alpino, onde os competidores individualmente corriam, remavam e esquiavam por um longo percurso até a linha de chegada. Dois anos depois, esse mesmo cara bolou um outro percurso chamando-o de Coast to Coast (costa a costa) onde cada atleta, corria, pedalava e remava cruzando a Ilha Sul da Nova Zelândia da costa oeste para leste em 243 quilômetros.

            Até hoje o Coast to Coast acontece anualmente na segunda quinzena de fevereiro, já passou de sua trigésima edição e é consagrada como o campeonato mundial de Multisport, nome dado a esse triathlon com canoagem, ao invés de natação.

            O Multisport foi o grande inspirador das corridas de aventura e alguns anos mais tarde, em 89, Gerald Fusil organizou o Raid Gauloises a primeira prova de corrida de aventura expedicionária do mundo, no mesmo país. Em equipes de 5 atletas e um percurso desconhecido por todos eles, a única certeza que tinham é que deveriam se manter unidos e trabalhar em equipe a todo momento para percorrerem os mais de 500km e vários dias de prova.

            John Howard e sua equipe, Team New Zealand, foram os grandes vencedores dessa prova. Howard, também foi vencedor do Coast to Coast e de muitas outras competições desse tipo, é considerado o atleta precursor desses esportes de endurance. Ele também revolucionou a forma de competir, limitando ao mínimo necessário a quantidade de equipamentos, passando de grandes mochilões para mochilas de "ataque", de botas de caminhada para tênis de corrida e conseqüentemente muito mais velocidade e competitividade.

            No inicio da década de 90, Mark Burnett lendo um artigo sobre o Raid Gauloises, percebeu como era difícil para o público acompanhar esse tipo de prova e teve uma idéia fantástica, resolveu televisionar as provas. Burnett, que já havia competido no Raid Gauloises, foi o criador do Eco-Challenge uma das provas mais clássicas da história e que teve muito sucesso pois conseguiu captar imagens de momentos únicos dentro de cada equipe, criando quase que uma novela com cada prova, um grande reality show. Mark Burnett foi também o idealizador do programa de tv Survivor e de muitos outros realities de sucesso que apareceram após o ano 2000. Tendo suas próprias provas de sobrevivência por anos foi fácil produzir o mesmo tipo de coisa para pessoas mais "normais". Numa das edições do Eco-Challenge tinha até uma equipe com participantes do programa Survivor que claro, não se deram muito bem quando encararam uma corrida de aventura de verdade! Algumas equipes brasileiras também tiveram o prazer de competir no Eco-Challenge. Essa prova rodou o mundo tendo etapas na Nova Zelândia, em Fiji, Estados Unidos, Austrália, Marrocos dentre outros países, entre 1995 e 2002.

            Eu infelizmente ainda não praticava corrida de aventura nessa época, quando iniciei, em 2004, atletas brasileiros já eram consagrados e conhecidos mundialmente.

            O Alexandre Freitas, um desses atletas, trouxe a corrida de aventura para o Brasil. Depois de ter ido competir na Nova Zelândia, em 1997, voltou determinado a promover a primeira corrida de aventura brasileira que de fato ocorreu no fim de 98 e foi chamada de EMA (Expedição Mata Atlântica). A partir dai muitas outras provas vieram e como atrativo para adesão de novos participantes, algumas delas tinham percursos reduzidos, por volta de 50 quilômetros, bem diferente das de 200 ou 600 quilômetros que eram o Raid Gauloises, o Eco-Challenge e o próprio EMA.

            Já o Multisport, ao contrário da Nova Zelândia, no Brasil, veio quase 10 anos após o primeiro EMA, em 2007 e está atraindo cada vez mais adeptos. Por possuir as modalidades básicas de uma corrida de aventura é um excelente treino para uma grande prova, aproxima iniciantes às modalidades, principalmente à canoagem, requer menos logística e equipamentos e ainda podem ser feitas em equipes de revezamento onde um atleta pedala, outro rema e assim por diante. São 4 as principais provas de Multisport do país: BMS Multisport, Multisport Spirit, Multisport Brasil e a Brou Multisport.

            Quanto as corridas de aventura, o Ecomotion é a mais longa prova do Brasil e faz parte do Circuito e do Ranking Mundial junto com mais 13 provas pelo mundo. Esse ano acontecerá em agosto, na Bahia e já está confirmada a presença da equipe atual campeã mundial, Seagate, claro neo zelandesa!

            Nós também temos um ranking nacional que funciona computando os cinco melhores resultados de provas dos últimos 12 meses, sendo que cada prova tem um peso diferente. Além do ranking, progredimos muito com a fundação da Confederação Brasileira de Corrida de Aventura, a CBCA, em 2012. A ideia é organizar cada vez mais o nosso esporte, promover o campeonato brasileiro de corrida de aventura e levar as melhores equipes brasileiras pro circuito mundial. Acredito que o maior sonho da CBCA é fazer o esporte crescer e ver uma equipe brasileira ser pela primeira vez na história campeã mundial de corrida de aventura. Chegamos perto em 2008 com um quarto lugar, mas de lá pra cá não conseguimos mais completar uma prova de campeonato mundial.

            Além do Campeonato Brasileiro de CA e o Ecomotion, temos provas de menor duração como a Brou Aventura, Terra de Gigantes, o Haka Race (inspirado no nome da dança emblemática dos Maoris neo zelandeses), o Adventure Camp e ainda um circuito muito bacana que anualmente promove provas com distâncias que variam entre 50 e 300 quilômetros, o Chauás. Essa prova é a mais antiga em atividade no Brasil, inspirada no EMA e nas grandes internacionais o Chauás funciona com uma estrutura rústica e sem patrocínios, mas não deixa nada a desejar com relação ao percurso.

            O Brasil tem atletas e ideias muito inspiradoras e provas bem organizadas, mas infelizmente falta união para impulsionar toda essa vontade de nos fazer uma referência mundial no esporte, atrair mais equipes de prestígio para competir em nosso solo e levar uma equipe de atletas realmente preparados para o lugar mais alto do pódio mundial.





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