Em meio
aos preparativos para a Godzone, passamos alguns dias com o atual campeão
mundial de corrida de aventura Nathan Faavae. Foi ele quem nos falou sobre a
Tianshi Cup Wenzhou Outdoor Challenge e estimulou que participássemos da prova.
Eu sempre
acompanhei as provas que rolam na China, são de altíssimo nível e fazem um mix
de corrida de aventura e multisport super bacana: são provas em equipe
disputadas em estágio, quase um Tour de France Adventure. Gui já teve a
oportunidade de participar de uma em 2008 com a Team Expresso (Marcinho Franco,
Manu Vilaseca e Zimbrão), além do The Crunch, um programa de TV gravado lá
durante 40 dias com diversas provas e estágios onde terminou com um excelente
terceiro entre grandes atletas.
Essa
seria minha primeira vez, não só nesse tipo de prova, mas também na Ásia e num
país onde a cultura é totalmente diferente e onde sou analfabeta nos lindos
fonemas chineses.
Desembarcamos
na sexta feira dia 12 de abril, eu vindo da Nova Zelândia e Gui chegando do
Brasil. Recebemos previamente a logística de cada dia, as modalidades,
distâncias e a estimativa de tempo de cada trecho dos 4 estágios. No briefing
pegamos os mapas para as etapas de canoagem, um para cada dia. Na prova só
usaríamos os mapas nas pernas de canoagem e em uma etapa de orientação e o uso
de GPS era liberado também. O restante do percurso era demarcado por áreas
urbanas, trilhas ancestrais e montanhas selvagens. Ou seja, trata-se de uma
corrida de aventura misturada com multisport.
A
prova - Após o briefing seguimos direto para o galpão onde estavam os barcos e
as "baias" de cada equipe. Gui e eu formamos o Brasilia Multisport
Team, equipe número 43. Pela primeira vez as equipes foram divididas nas
categorias duplas mistas e duplas masculinas. Anteriormente competia-se em
quartetos. Sem perder tempo, começamos nossa bagunça para deixar tudo pronto
para a primeira largada na manhã do dia seguinte.
Todos os
atletas estavam reunidos no mesmo hotel, oferecido pela organização, numa ilha
em meio a cidade de Wenzhou, leste da China ao sul de Xangai. Cidade grande e
acinzentada com 9 milhões de habitantes, a 15ª maior cidade chinesa.
1º dia
No
primeiro dia a largada foi somente a 20 minutos do hotel, ou seja, em meio ao
caos da cidade. Fomos recebidos com uma super cerimônia de abertura, cheio de
apresentações e formalidades, algo da China mesmo! Imaginem o centro da cidade
de São Paulo com um palco enorme e um mega pórtico... Assim se deu a largada!
Cinco
quilômetros planos de corrida no asfalto, foi essa a primeira perna da prova.
Fizemos a transição para a canoagem, somente 2,5 km e entramos na pista de
orientação com mais corrida por 5km. Voltamos pra água para mais um trecho de
17 km remando onde fizemos o segundo melhor tempo entre as duplas mistas nos
recuperando graças aos caiaques velozes que esta prova também oferecia. Em
seguida, uma bike de 26 km.
O ritmo
era alucinante, com um piscar de olhos éramos ultrapassados e no momento
seguinte estávamos ultrapassando equipes. Esse troca-troca acontecia o tempo
todo. No final da bike vinha a etapa de cordas e para rapelar subimos 25
andares de um prédio junto com dois outros times. Chegando no último andar o
tempo era parado pois ali estavam ainda todas as equipes emboladas e dessa
forma o rapel era mais seguro.
Enfim
pude respirar, sentar e claro... ter câimbras! Pensei: "Putz, e esse foi
só o primeiro dia. O que será de mim amanhã ? Dei tudo de mim e estou
esgotada!" Ni Hao China, Ni Hao Camila! O rapel foi um pouco aterrorizante
e finalizamos o primeiro dia em 9° lugar, a 2 minutos dos 5° colocados.
Voltamos
para o hotel, comemos bastante, dormimos um pouco e a noite voltamos ao galpão
para nos organizar para o segundo e mais longo dia de toda prova.
A
prioridade era dormir o máximo possível. E ser extremamente organizado era uma
vantagem e tanto. Antes de chegar na China, Gui e eu montamos toda a nossa
estratégia, escrevemos o que deveria ir em cada caixa a cada estágio e junto à
Clínica 449 planejamos nossa nutrição, tanto durante a prova quanto, e
principalmente, nos momentos de descanso e recuperação. Por causa disso, para
minha surpresa, acordei melhor do que esperava para o segundo dia.
2º
dia
O ônibus
nos levou por uma hora para o local da largada. Nesse dia, largamos com 40km de
bike seguidos por 19km de corrida. Mandamos super bem no primeiro trecho e
acabei me desgastando um pouco além do que deveria. A corrida tinha uma
ascensão de 700 metros (uma Serra do Mar) e depois descia. Aqui foi sem dúvida
o trecho mais difícil de toda prova para mim. Trabalho em equipe e alta
intensidade eram o nome do jogo. Entre um blackout e outro pedia a Deus que me
deixasse cruzar aquelas montanhas. Agora tinha que focar pois teríamos 15
minutos de descanso obrigatório após a corrida para daí sim remarmos 26km,
fazer um rapel e 500 metros de natação e, finalmente, chegada.
Ao término dessa corrida - sim consegui terminar - desmaiei na praia e por 10 minutos fiquei ali deitada jogando água na cabeça e no corpo. Aos poucos fiquei um pouco melhor. Para nossa alegria o dia estava pesado para todos e não estávamos tão longe dos times a nossa frente.
Seguimos confiantes terminando o dia em 7°
lugar.
A comida
do hotel não era tão apetitosa e já estávamos alerta para uma possível
intoxicação alimentar comum para nós estrangeiros. Por causa disso levamos algumas
opções enlatadas e evitamos tudo que era cru, bem como qualquer água sem ser
mineral até mesmo para escovar os dentes!
Mais uma
noite bem dormida e prontos para a terceira largada. Dessa vez, um pouco mais
longe, dirigimos uma hora e meia até a largada. O corpo já acumulava dores e
cansaço e colocamos SpiderTech em diversos locais como joelho, panturrilha,
barriga, para facilitar a recuperação e proteger o nosso corpo ao longo da
competição.
3º
dia
Nesse dia
largamos com 17km de canoagem e por motivos de segurança a organização optou
por largarmos de 30 em 30 segundos conforme o ranking geral (tempo do primeiro
dia + tempo do segundo dia) e assim fomos a sétima equipe a iniciar a canoagem.
Era
engraçado ver na largada como cada time se preparava para perder o mínimo de
tempo possível. O trecho seguinte eram 18km de ascensão pedalando e algumas
equipes já estavam até de capacete e sapatilha para remar e assim agilizar ao
máximo a transição. Equipes correndo de cadeirinha e até com o colete salva
vidas nos fizeram perceber que aquele formato de corrida com a disputa tão
acirrada era algo que ainda não tínhamos experimentado: corrida de aventura sem
margem pra erros!
Nós
optamos por ter melhor apoio nos pés e com isso ganhar tempo remando, por isso
fomos de tênis. Esse trecho foi por canais em meio à cidade, tipo Amsterdã.
A bike
foi dividida em 12km e 6km com 15 minutos de parada obrigatória no meio da
montanha. Depois,15km de corrida, um rapel e chegada. Nesse dia estávamos
inspirados, nos sentimos bem e andamos forte, a todo momento avistando a equipe
Axa-Adidas e abrindo das outras. A trilha passava pela paisagem dos sonhos
cruzando uma montanha de pedra, por trilhas calçadas e degraus ancestrais.
O
percurso era super bem marcado, as ruas por onde passávamos eram sempre
fechadas, tanto para carros como para pedestres, haviam muitos policiais e
fitas vermelhas indicando a direção nas trilhas, mesmo assim toda a atenção era
pouca.
Ao
término do terceiro dia nos encontramos num confortável sétimo lugar. Estávamos
17 minutos a frente da Multisport Finland, com o legendário corredor de
aventura Pete Forsman, e a 6 minutos da equipe em sexto lugar, composta por
dois amigos neozelandeses, Ailsa e Seamus. Aliás a Nova Zelândia mostrou
novamente a supremacia nesse esporte, das 10 primeiras colocadas na categoria
mista, 5 eram de lá.
Mais uma vez voltamos para o hotel, comemos, dormimos um pouco, organizamos nossos equipamentos, comemos mais e dormimos bem.
4º
dia
Na manhã
do último dia encaramos o estágio dando tudo que ainda restava, se é que
restava... Como num último dia de uma prova de expedição quando pressentimos a
linha de chegada, essa era a motivação nesse dia. Claro, ainda precisávamos
fazer força pois corrida de aventura só acaba no final.
Largamos
com 32km de bike e a primeira transição foi para uma canoagem de 11km. Mais uma
parada obrigatória de 15 minutos, onde assistíamos todos os times no próximo
trecho: um carrinho, barquinho ou não sei bem como chamar o patinete que usamos
para fazer um circuito na lama, assim como os pescadores locais.
Gui se saiu super bem, deslizando e quase arriscando algumas manobras, eu já sem pernas ia aos poucos afundando o pé na lama e arrastando o tal carrinho. Voltando para água eram mais 15 quilômetros remando, 6km correndo e finalizamos com um rapel já na linha de chegada.
Levei o
maior tombo nessa corrida tentando me equipar para o rapel e correndo ao mesmo
tempo, mas faltava pouco e não estávamos tão bem colocados para me dar o luxo
de parar. A trilha acabava numa ponte e no final dela estavam as cordas, num
sprint final, nos prendemos às cordas e despencamos para a linha de chegada.
Garantimos o 7° geral e uma bela premiação de 3 mil dólares.
Impressões
finais
A
organização nos disponibilizou umas tendas com chuveiro quente para nos
arrumarmos para a cerimônia final. Mais formalidades, mais apresentações e,
confesso, as apresentações não eram tão boas! Subimos no grande palco para
receber nosso cheque e exaustos voltamos felizes por mais essa experiência
única.
Esse modelo
de prova na China é diferente e ao mesmo tempo parecida com o que estamos
acostumados aqui no Brasil. As modalidades foram as mesmas mas com a
intensidade alta como se tudo fosse acabar sem ter o próximo dia.
O bicho
pega mesmo quando se passa 4 dias assim! Multisport e corrida de aventura são
sem dúvida excelentes treinos para provas desse tipo e, ao contrário, provas
como essa são essenciais para um bom desempenho nas corridas de aventura e no
multisport. Não é à toa que as três primeiras duplas mistas nessa prova sejam
velhos conhecidos da aventura: os casais Mimi e Jack Bouasset em primeiro,
Elina e Richard Ussher em segundo e a dupla Jesse Simons e Stu Linch em
terceiro.
Além da
prova ter sido super bacana e diferente, fiquei impressionada com a qualidade
da organização. Os chineses eram super prestativos para tudo, recebemos uma
super ajuda de custo da organização para os tickets aéreos e a inscrição
incluía todos os traslados, inclusive do aeroporto, o hotel e as refeições.
Voltamos
de lá com a motivação renovada e a certeza da nossa intenção de formar a 1ª
equipe brasileira campeã mundial de corridas de aventura! Estamos ansiosos para
a próxima!
Xièxiè
China!
Camila Nicolau - texto publicado em 02/05/2013